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Água fria na cara é bom para acordar

Igor de camiseta branca segurando uma caneca com a logo "Igor Santos", azul, com uma flor laranja que sai do "o" de Igor. A foto é despojada, com Igor sorrindo e bebendo café encostado na parede. Ao lado esquerdo, uma planta que não sei dizer qual é.

Em Aparecida do Taboado, foram 14.753 votos válidos, 95% dos que saíram de casa para votar no domingo. Entre brancos e nulos para prefeitos, a soma não chegou a 600; para vereadores foram 617 votos sem validade.

Estar no Mato Grosso do Sul é ser bombardeado todos os dias – sejam eles eleitorais ou não – do ódio que as pessoas tem pela esquerda e pelos partidos de esquerda. Embora a votação de Lula em 2022 tenha surpreendido no Estado e aqui na cidade, o voto no Lula ficou mais claro, e a falta de espaço de e para a esquerda ficou evidente.

Para além de questões exógenas (como a enchurrada de emendas parlamentares diretamente aos municípios, o que favoreceu – e muito – a reeleição), de acusações não-comprovadas (de excesso de gastos de campanha e compras de voto) e da autocongratulação, o resultado das urnas é um choque e precisa ser tratado como choque.

Panorama geral

Foram três candidatos a prefeito: José Natan (PP), concorrendo à reeleição, turbinado com a maior chapa (Podemos/PL/União Brasil/PSD/Federação Cidadania-PSDB); Sirlei Mello (MDB), que se somaram dois outros partidos (Republicanos/PRD); e Djalma Furquim (PDT), que foi somado pelo PT dentro da Federação Brasil da Esperança (tecnicamente com PT/PCdoB/PV).

Como toda eleição municipal e especificamente no interior, a definição de direita, centro e esquerda é muito abstrata – especialmente considerando os programas de governo e o histórico de cada um (José Natan estava buscando reeleição, Djalma fora eleito prefeito em 2004 e a Sirlei exercera secretarias durante vários mandatos), mas o feeling que se tinha – e aí me corrijam se estiver errado, é que a candidatura do José Natan era vista como de centro-direita (puxada ao centro pelo PSDB/PSD), a da Sirlei como de centro, e a de Djalma como uma candidatura de esquerda (especialmente pela composição com o PT).

O resultado foi avassalador, ou como alguns cabos eleitorais do prefeito reeleito gostam de falar, foi uma lavada. As duas chapas de oposição, juntas, fizeram 3.106 votos, somando 21,94% dos votos válidos.

Focando nos vereadores, das onze cadeiras, dez foram ocupadas pela base do prefeito. Uma, de oposição, ficou com o PRD. PT e PDT não alcançaram o quociente eleitoral – e seus votos somados fariam apenas um vereador.

Ainda se pegássemos os melhores votados dos dois partidos (pensando na proporção de gênero) teríamos 1.363 votos (222 + 195 + 171 + 140 +121 + 111 + 105+ 89 + 66 + 61 + 49 + 33), o que não só demandaria a segunda rodada de distribuição de vagas (a 80/20), só dois candidatos atingiram pelo menos 10% do quociente.

É, a coisa foi feia. Até pra mim, com meus 25 votos.

O que levar dessa lavada?

Para todo mundo que conversa comigo sobre as eleições, eu deixo claro (até mesmo sem a pessoa perguntar) uma coisa que ficou claro. Dos onze vereadores que foram eleitos (e reeleitos), todos tem algum tipo de atuação ou histórico social, dentro ou fora do Estado.

Ex-subsecretário, ex-chefe de departamento no hospital, vereador com emendas na saúde, líderes de projetos beneficentes, líderes comunitários, dirigentes sindicais, todos de alguma forma envolvidos com a política cotidiana.

Nomes bem votados na esquerda também tem essa característica. Cito tranquilamente as três mulheres, ambas com mais de 100 votos: A Mari Silva (PDT), reconhecida pela assistência social e trabalhos em prol da comunidade; a Michelly da Padaria (PT), conhecida pelos projetos voluntários no esporte e a Adriana Chierice (PT), na luta pelos direitos das mulheres.

Ficou claro que liderança e autoridade não se criam, são cultivados – e é este o retrato que precisa ficar colado no espelho de quem quer que tenha alguma pretensão política em Aparecida do Taboado. Ser conhecido, ter amigos, ter dinheiro para investir na campanha são pontos positivos. Eu diria até que as propostas e apoios políticos também seriam apenas pontos positivos como diferenciais, mas o importante mesmo é ter uma história.

Liderança e autoridade não se criam, são cultivados.

Então são aí quatro anos para a esquerda em Aparecida do Taboado se reorganizar – e digo isso até mesmo em relação ao ser e declarar ser de esquerda, já que a pecha de esquerdista traz todas as fake news difamatórias, seja a pessoa de esquerda ou não.

Isso ficou muito claro nas interações: quando as pessoas xingavam o PT e falavam que petista era tudo vagabundo ladrão eram perguntadas sobre a índole da Professora Margarida (PT), vice do Djalma, ela sempre foi elogiada – mas a pessoa continuava não votando nela, apesar de considerar ser uma ótima pessoa e ter sido ótima Secretária de Educação, que seria competentíssima para o cargo, simples e unicamente pelo fato que ela seria do… PT.

Pessoalmente, eu discordo. Até mesmo pelas listas e mensagens que rodam os grupos. Até o PRD e o Republicanos foram acusados de serem esquerdistas. O PSDB foi inicialmente rechaçado da chapa do prefeito porque seria um partido de comunistas, então o problema é mais embaixo: as pessoas odeiam aquilo que elas acreditam ser de esquerda, mesmo que elas concordem com as pautas e programas sociais.

Ninguém é contra a construção de casas populares. Ninguém é contra educação de qualidade. Ninguém é contra postos de saúde com médicos, dentistas e exames gratuitos. Pelo menos ninguém razoável.

Para se ter uma noção: tive uma conversa com um indivíduo que diz que o Drex (Digital Real X, um péssimo nome, mas com sigla razoável), moeda digital cujos estudos começaram em pleno Governo Bolsonaro e foram exaltadas por Paulo Guedes como um dos seus feitos na economia (embora o Banco Central seja independente) é parte de um plano comunista, de Lula, para ter total controle sobre as operações financeiras das pessoas e acabar com a liberdade.

Quando o questionei sobre Paulo Guedes e Bolsonaro, sobre o legado DREX e PIX ele me respondeu que o PIX, que este sim é de Bolsonaro, é liberdade (embora todos os dados de negociações fiquem disponíveis às autoridades), e o DREX, do Lula, é prisão.

¯\_(ツ)_/¯

Dito isso, o que fazer?

  1. Se desistir não é a sua opção, então só sobra ser. Não dá para esperar 2026 para apoiar um candidato A ou B ao Governo do Estado e a Deputado Estadual que tenha pautas X ou Y. Até porque se ninguém votou nem em você, porque votaria em quem você apoia? Não dá para esperar 2028 e fazer uma campanha em 45 dias. Na verdade, não dá pra esperar junho para se definir, minimamente, a chapa;
  2. Esse modelo, de cima pra baixo, precisa acabar. Precisa acabar porque não é transparente (e, não sendo transparente, abre chances para todo tipo de alegação), precisa acabar porque não é democrático e precisa acabar porque não se alinha aos princípios que nós mesmos dizemos defender. É contraditório;
  3. É preciso estar presente, e ativo. Não apenas individualmente (isso é o mínimo), mas no coletivo, especialmente de maneira institucional-partidária, pra demonstrar e reforçar a que o grupo político veio;
  4. Assumir o posicionamento e demonstrá-lo com a construção cotidiana de uma sociedade mais justa;
  5. Organizar-se. E este relato é o meu primeiro passo para me organizar.

Divididos, seremos sempre degraus para a direita subir.

Leonel Brizola

Advogado, ex-professor universitário. Doutorando em Desenvolvimento Socioeconômico pela Unesc. Filiado ao Partido Democrático Trabalhista.

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